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sábado, 27 de julho de 2013

Sobre números, modelos e neurônios


Pesquisador explora relações entre matemática, física e neurociência a partir de modelo estatístico que avalia conexões entre neurônios e destaca novas ferramentas interdisciplinares na área.
Por: Marcelo Garcia
Publicado em 23/07/2013 | Atualizado em 23/07/2013
Sobre números, modelos e neurônios
Físico da Universidade Federal de Pernambuco usa um modelo matemático para simular a forma como nossos neurônios e nosso cérebro captam e diferenciam certos estímulos. (imagem: Nicholas Mitchell/ Flickr – CC BY-NC 2.0)
O cérebro é, sem dúvida, o órgão mais complexo de nosso corpo. No entanto, é impressionante o quanto o desconhecemos. Para correr atrás desse prejuízo, algumas abordagens físicas, como a utilização de técnicas de imagem da atividade cerebral, já têm virado corriqueiras na neurociência. Mas esse não é o caso do uso de modelos físico-matemáticos da mecânica estatística para tentar entender o funcionamento do cérebro, campo que ainda pode progredir muito, como mostra o trabalho do físico Marco Copelli, da Universidade Federal de Pernambuco.
Em palestra realizada na 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Copelli apresentou seu trabalho com um modelo matemático que tenta simular a forma como nossos neurônios e nosso cérebro captam e diferenciam certos estímulos. O físico explicou que a percepção humana da intensidade de um estímulo sensorial não é uma função linear. Por exemplo, duas velas acesas no escuro não dão o dobro da sensação de luminosidade que apenas uma dá.
Ele trabalhou especificamente com impulsos olfativos e de luminosidade, que possuem uma grande 'faixa dinâmica', intervalo de intensidade em que os estímulos podem ser diferenciados uns dos outros. Por exemplo, é difícil perceber a diferença entre um ou dois faróis de caminhão ligados próximos ao seu rosto, pois a intensidade desses estímulos está fora dessa faixa dinâmica.
O modelo reproduz a propagação de ondas pelos neurônios vizinhos a partir de um estímulo inicial, comportamento que amplia a capacidade de diferenciação dos estímulos
Com base em seu modelo, Copelli simulou a interação de conjuntos de neurônios em áreas iniciais das vias de transmissão neuronais de estímulos olfativos e luminosos até o cérebro. O modelo reproduz a propagação de ondas pelos neurônios vizinhos a partir de um estímulo inicial, comportamento que amplia a capacidade de diferenciação dos estímulos.
O trabalho identificou uma taxa de interação crítica entre esses neurônios, capaz de produzir a maior faixa dinâmica possível sem gerar uma supersensibilidade. “O modelo é muito simples, tem um grau de generalidade muito grande e mostra como o nível macroscópico pode ser explicado por um mecanismo microscópico coletivo, a amplificação autolimitada via ondas excitáveis.”

Relações e ramificações

Elaborado há alguns anos, o modelo pode ainda ser aprimorado a partir dos resultados obtidos em outras áreas da neurociência, como o estudo do conectoma – o mapa de ligações entre os neurônios do cérebro. “O modelo atualmente é aplicado sobre uma estrutura aleatória de neurônios, mas sabemos que as ligações no cérebro não são aleatórias”, avalia. “Se conhecermos essas conexões, poderemos criar modelos mais precisos.”
Outro possível desdobramento do modelo pode levar de volta aos estudos imagéticos sobre o cérebro. Nas análises com ressonância magnética, para cada tipo de ação realizada, como ouvir música ou estalar os dedos, diferentes áreas do cérebro têm sua atividade registrada. “Porém, podemos pensar numa abordagem que previsse o funcionamento do cérebro em conjunto, com base na taxa de interação crítica entre os neurônios”, pondera o físico. “Nesse caso, embora as regiões e conexões ativadas fossem outras, a estrutura estatística por traz do comportamento seria a mesma.”
Ressonância magnética
Nas imagens de ressonância magnética, para cada tipo de ação realizada há o registro de atividade em áreas diferentes do cérebro. A aplicação do modelo matemático nessas análises poderia prever o funcionamento do cérebro em conjunto. (imagens: Wikimedia Commons/ Geoff B Hall e French123)
Copelli explica que agora os pesquisadores trabalham para aprimorar o modelo, adicionando novidades ou detalhes que o tornem mais realista, como o acréscimo de neurônios inibitórios. A equipe avalia, ainda, a possibilidade de usar essa ideia de propagação coletiva de impulsos para a fabricação de sensores eletrônicos mais sensíveis – com faixas dinâmicas maiores – a partir de elementos simples.
Em uma parceria com o Instituto do Cérebro, de Natal, o físico busca, agora, percorrer o caminho inverso: a partir de dados experimentais, estudar como os estímulos iniciais acontecem no animal vivo e como aprimorar o modelo para que corresponda melhor à realidade. Ele também prepara o laboratório na UFPE para trabalhar com modelos animais por lá.

Psiquiatras e multidisciplinaridade

Também em parceria com o instituto potiguar, o grupo desenvolve um trabalho que pode dar uma nova e poderosa ferramenta para avaliação de casos de patologias psíquicas. Os pesquisadores procuram relacionar a teoria dos grafos ao discurso de pacientes esquizofrênicos e com distúrbio bipolar. “Pela teoria dos grafos, ao falarmos, criamos uma determinada relação entre as palavras em nosso discurso, graficamente representada pelos grafos”, explica. “Nossa pesquisa mostrou que, com a análise estatística dos grafos do discurso de pacientes com essas psicopatias, é possível identificá-las com uma precisão grande, sem sequer examinar o conteúdo do discurso.”
O grupo desenvolve um trabalho que pode dar uma nova e poderosa ferramenta para avaliação de casos de patologias psíquicas
Copelli explica que a decisão final sempre caberá ao psiquiatra, mas o método pode ser muito útil para a área, que sempre se ressentiu de critérios mais objetivos de diagnóstico. “Já desenvolvemos um software gratuito para realizar essa análise, que está em teste com um grupo de 60 pacientes, já clinicamente significativo”, comemora.
Todas as pesquisas citadas por Copelli têm algo em comum: a interdisciplinaridade. “Esse é um traço muito comum dos problemas de fronteira na atualidade; nesse caso, a biologia ajuda a manter os pés no chão, na análise biológica dos dados, enquanto a física ajuda a trazer novas possibilidades de abordagem”, avalia. “O Brasil tem dificuldades de realizar pesquisas nessa área também porque nossas instituições, desde a escola básica, ainda não entenderam isso, são burocráticas. Isso é algo que deveria ser trabalhado desde cedo. É uma tragédia os cérebros que estamos perdendo dessa forma.”

Marcelo Garcia
Ciência Hoje On-line

Proteção em nanocápsulas


Pesquisadores brasileiros desenvolvem estratégia de vacina oral que usa nanocápsulas de sílica para obter melhor resposta do sistema de defesa do organismo. As novas gotinhas poderão imunizar contra mais de uma doença ao mesmo tempo.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 26/07/2013 | Atualizado em 26/07/2013
Proteção em nanocápsulas
A pesquisa brasileira aposta nas gotinhas como futuro da vacinação contra qualquer doença. (foto: Ministério da Saúde)
Ela está no vidro, nas areias das praias, no cimento e até nos temperos em pó que comemos. A sílica, uma das substâncias mais abundantes na Terra, pode ser uma ferramenta chave para o desenvolvimento de novas vacinas orais que poderão substituir as injetáveis disponíveis hoje. A aposta é fruto de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas há 20 anos por pesquisadores do Instituto Butantan e da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o laboratório farmeacêutico Cristália. 
A ideia dos pesquisadores é usar nanocápsulas de sílica para alojar a vacina que será aplicada em gotas, como hoje acontece com a vacina contra a paralisia infantil (poliomielite). As nanocápsulas nada mais são que diminutas ‘forminhas’ hexagonais com cerca de 5 nanômetros – 20 mil vezes menores que um fio de cabelo – que absorvem e guardam em seu interior a vacina desejada.
Segundo o epidemiologista Osvaldo Sant'anna, pesquisador do Instituto Butantan que proferiu palestra durante a 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a grande vantagem de usar a vacina encapsulada é que, desse modo, ela consegue passar pela barreira do estômago, que contém ácidos, e chegar até o intestino, onde é capturada por células do sistema imunológico. Sem essa proteção, as vacinas, compostas de moléculas orgânicas, acabam sendo degradadas pelo estômago. 
A vacina encapsulada consegue passar pela barreira do estômago, que contém ácidos, e chegar até o intestino, onde é capturada por células do sistema imunológico
Ainda não existe no mercado vacina oral que ultrapasse esse obstáculo. A vacina contra a poliomielite é a única aplicada em gotas porque é absorvida antes de chegar ao estômago, ainda no esôfago. Sant'anna explica que o intestino é o melhor alvo para a imunização, pois está repleto de células de defesa, como os macrófagos, que logo absorvem a vacina e conferem resistência ao organismo.
“A pele tem células do sistema imune sempre prontas para reagir ao ataque de agentes infecciosos; só que, nas vacinas injetáveis, há um gasto de energia maior do que nas orais para que essas células da pele caminhem até o local da picada e entrem em contato com a vacina”, comparou o epidemiologista. “A sílica possibilita que a vacina oral atinja o centro nevrálgico do sistema imune – o intestino –, e obtenha reposta tão boa ou melhor que a da vacina subcutânea.”

Bons resultados 

O pesquisador e sua equipe foram um dos primeiros no mundo a fazer estudos com nanotecnologia para imunização. Desde o início da pesquisa, o grupo conduziu diversos testes com animais usando a sílica para aplicar a vacina contra hepatite B.
Eles perceberam que, além de levar a vacina até o intestino, onde ela é absorvida por osmose, a sílica potencializa a ação do sistema imune. As células de defesa identificam o composto como estranho ao organismo e, por isso, atuam com mais intensidade para capturá-lo.
Vacina de sílica
Nanocápsulas de sílica em forma de hexágono (à esquerda) foram preenchidas com vacina contra hepatite B (à direita). (foto: Osvaldo Sant’anna)
“Há certos vírus, por exemplo, para os quais o corpo não produz anticorpos suficientes mesmo que os microrganismos estejam em contato com o intestino, mas, com a introdução da sílica, vimos que a produção de anticorpos em camundongos foi alta”, disse Sant'anna.
Em teoria, a estratégia da sílica pode ser aplicada a qualquer vacina desenvolvida contra qualquer doença. O pesquisador ressaltou ainda que é possível combinar mais de uma vacina nas nanocápsulas. A tática poderia reduzir consideravelmente os custos da vacinação em massa, possibilitando aumentar o número de pessoas imunizadas.
Segundo o pesquisador, a ingestão da sílica não apresenta perigo e ela é excretada nas fezes. “Comemos sílica durante toda a vida, muitos temperos em pó adicionam sílica na composição para evitar a formação de umidade, por isso, acredito que não vai ser difícil conseguir a aprovação das autoridades sanitárias para testes com humanos.”
É possível combinar mais de uma vacina nas nanocápsulas
A patente da técnica foi doada à nação, de modo ela pode ser usada pelo governo brasileiro sem custos. Os testes clínicos já estão previstos e, se aprovados, Sant'anna estima que a vacina esteja pronta para uso em 2020. Mas ele teme que o projeto sofra pressão da indústria farmacêutica internacional. 
“Vamos ter dificuldades porque as multinacionais vão querer embarreirar nosso projeto”, afirmou o conferencista. “Se eu tirar a seringa de uma vacina contra a hepatite B, por exemplo, em que três doses são aplicadas, vai haver uma perda de milhões de dólares para a indústria. Com nossa vacina, só será necessário um frasquinho com gotas.”

Tendência mundial

pesquisa por novas formas de aplicação de vacinas mais eficientes e sem dor tem crescido pelo mundo. A vacina do Butantan não é a única a propor uma solução para vencer a barreira do ácido estomacal. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estudam nanotubos de carbono para alojar imunoterápicos e cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, testam o uso de bactérias inativadas para carregar vacinas até o intestino.
Sant’anna reconhece a importância dessas pesquisas, mas acredita que a sílica é a melhor saída e a mais simples. “Trata-se de um composto simples, disponível e que não briga com o nosso organismo”, observou. 
“Já o carbono é um componente do nosso organismo e muito provavelmente vai ser destruído no estômago; o uso de bactérias me parece arriscado, uma vez que a pessoa corre o risco de infecção, além de ser mais complexo de ser aprovado para humanos. Não há nada que eu faça no laboratório que a natureza já não tenha feito; meu trabalho é baseado na observação da natureza e ela nos mostra que o caminho mais simples é o melhor.”
Sofia MoutinhoCiência Hoje On-line
 

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Cientistas implantam memórias falsas no cérebro de camundongos


ÚLTIMO SEGUNDO|Ciência


Estudo pode dar pistas sobre como humanos produzem memórias de eventos que nunca aconteceram

Os caprichos da memória humana são notórios. Um amigo insiste que estava na sua festa de quinze anos, enquanto você sabe que ele só esteve presente na de dez. Você lembra que uma amiga foi ao seu casamento, até provar que não foi convidada. Ou num caso ainda pior, uma testemunha ocular identifica incorretamente o autor de um crime terrível.















Getty Images

Camundongos tiveram falsas memórias implantadas no cérebro



As memórias falsas ou ilusórias não só são comuns como são relativamente fáceis de serem geradas em cobaias, afirmam cientistas. Porém, permanecia sendo um mistério o que acontece exatamente no cérebro quando memórias ilusórias são formadas.
Agora, cientistas do Centro Riken de circuitos genéticos neurais do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)conseguiram implantar falsas memórias no cérebro de camundongos, para identificar pistas de como estas memórias podem se formar em humanos.
Steve Ramirez, Xu Liu e outros cientistas liderados por Susumu Tonegawa ­– prêmio Nobel por seus estudos sobre imunidade – divulgaram nesta quinta-feira (25), que conseguiram fazer com que os camundongos se lembrassem de ter levado choque em um ambiente completamente diferente de onde ele foi realizado.
Para Tonegawa , a descoberta, publicada no periódico científico Science, é ainda um lembrete preventivo de como a memória pode não ser confiável em camundongo e humanos.
Embora camundongos sejam muito diferentes de pessoas, eles têm muita semelhança nos mecanismos básicos da formação da memória. “Os mecanismos básicos da formação da memória em mamíferos são evolutivamente muito antigos”, disse Edvard I. Moser, neurocientista da Universidade de Ciência e Tecnologia da Noruega, que não faz parte da equipe de Tonegawa. 

Neste nível de atividade cerebral, ele disse, "a diferença entre um camundongo e um ser humano é muito pequena". A parte do cérebro em que as memórias se formam é uma área do hipocampo chamada de giro dentado, que é semelhante em camundongos e seres humanos.
No estudo divulgado nesta quinta, a equipe de Tonegawa primeiro deixou os camundongos num ambiente até que eles se acostumassem e se lembrassem do local. Os pesquisadores também identificaram as células do cérebro onde estas memórias eram formadas. Os camundongos não receberam nenhum choque neste ambiente.
Um dia depois, em um ambiente diferente, os pesquisadores liberaram diversos eletrochoques nos camundongos ao mesmo tempo em que estimulavam as células cerebrais identificadas previamente e assim acionavam a memória anterior.
No terceiro dia, os animais eram reintroduzidos no primeiro ambiente. Eles congelaram de medo, um comportamento típico dos camundongos, o que indicou que eles se lembravam de terem recebido os choques no primeiro ambiente, o que nunca aconteceu.
Tonegawa afirma que, como os mecanismos de formação da memória são semelhantes em camundongos e humanos, a importância da pesquisa está "em fazer as pessoas se darem conta de como a memória humana não é confiável”.
Ele afirma também que esta falta de confiança leva a uma pergunta sobre a evolução: “Por que o nosso cérebro produz, de certa forma, memórias falsas?”. Ninguém sabe, ele afirma, porém, se questiona se as falsas memórias não têm alguma relação com a criatividade, que também permite que seres humanos vislumbrem possíveis eventos em combinação com o real e o imaginário. “Caso não tivéssemos esta habilidade, não haveria civilização”, afirma.
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