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sábado, 27 de julho de 2013

Proteção em nanocápsulas


Pesquisadores brasileiros desenvolvem estratégia de vacina oral que usa nanocápsulas de sílica para obter melhor resposta do sistema de defesa do organismo. As novas gotinhas poderão imunizar contra mais de uma doença ao mesmo tempo.
Por: Sofia Moutinho
Publicado em 26/07/2013 | Atualizado em 26/07/2013
Proteção em nanocápsulas
A pesquisa brasileira aposta nas gotinhas como futuro da vacinação contra qualquer doença. (foto: Ministério da Saúde)
Ela está no vidro, nas areias das praias, no cimento e até nos temperos em pó que comemos. A sílica, uma das substâncias mais abundantes na Terra, pode ser uma ferramenta chave para o desenvolvimento de novas vacinas orais que poderão substituir as injetáveis disponíveis hoje. A aposta é fruto de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas há 20 anos por pesquisadores do Instituto Butantan e da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com o laboratório farmeacêutico Cristália. 
A ideia dos pesquisadores é usar nanocápsulas de sílica para alojar a vacina que será aplicada em gotas, como hoje acontece com a vacina contra a paralisia infantil (poliomielite). As nanocápsulas nada mais são que diminutas ‘forminhas’ hexagonais com cerca de 5 nanômetros – 20 mil vezes menores que um fio de cabelo – que absorvem e guardam em seu interior a vacina desejada.
Segundo o epidemiologista Osvaldo Sant'anna, pesquisador do Instituto Butantan que proferiu palestra durante a 65ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a grande vantagem de usar a vacina encapsulada é que, desse modo, ela consegue passar pela barreira do estômago, que contém ácidos, e chegar até o intestino, onde é capturada por células do sistema imunológico. Sem essa proteção, as vacinas, compostas de moléculas orgânicas, acabam sendo degradadas pelo estômago. 
A vacina encapsulada consegue passar pela barreira do estômago, que contém ácidos, e chegar até o intestino, onde é capturada por células do sistema imunológico
Ainda não existe no mercado vacina oral que ultrapasse esse obstáculo. A vacina contra a poliomielite é a única aplicada em gotas porque é absorvida antes de chegar ao estômago, ainda no esôfago. Sant'anna explica que o intestino é o melhor alvo para a imunização, pois está repleto de células de defesa, como os macrófagos, que logo absorvem a vacina e conferem resistência ao organismo.
“A pele tem células do sistema imune sempre prontas para reagir ao ataque de agentes infecciosos; só que, nas vacinas injetáveis, há um gasto de energia maior do que nas orais para que essas células da pele caminhem até o local da picada e entrem em contato com a vacina”, comparou o epidemiologista. “A sílica possibilita que a vacina oral atinja o centro nevrálgico do sistema imune – o intestino –, e obtenha reposta tão boa ou melhor que a da vacina subcutânea.”

Bons resultados 

O pesquisador e sua equipe foram um dos primeiros no mundo a fazer estudos com nanotecnologia para imunização. Desde o início da pesquisa, o grupo conduziu diversos testes com animais usando a sílica para aplicar a vacina contra hepatite B.
Eles perceberam que, além de levar a vacina até o intestino, onde ela é absorvida por osmose, a sílica potencializa a ação do sistema imune. As células de defesa identificam o composto como estranho ao organismo e, por isso, atuam com mais intensidade para capturá-lo.
Vacina de sílica
Nanocápsulas de sílica em forma de hexágono (à esquerda) foram preenchidas com vacina contra hepatite B (à direita). (foto: Osvaldo Sant’anna)
“Há certos vírus, por exemplo, para os quais o corpo não produz anticorpos suficientes mesmo que os microrganismos estejam em contato com o intestino, mas, com a introdução da sílica, vimos que a produção de anticorpos em camundongos foi alta”, disse Sant'anna.
Em teoria, a estratégia da sílica pode ser aplicada a qualquer vacina desenvolvida contra qualquer doença. O pesquisador ressaltou ainda que é possível combinar mais de uma vacina nas nanocápsulas. A tática poderia reduzir consideravelmente os custos da vacinação em massa, possibilitando aumentar o número de pessoas imunizadas.
Segundo o pesquisador, a ingestão da sílica não apresenta perigo e ela é excretada nas fezes. “Comemos sílica durante toda a vida, muitos temperos em pó adicionam sílica na composição para evitar a formação de umidade, por isso, acredito que não vai ser difícil conseguir a aprovação das autoridades sanitárias para testes com humanos.”
É possível combinar mais de uma vacina nas nanocápsulas
A patente da técnica foi doada à nação, de modo ela pode ser usada pelo governo brasileiro sem custos. Os testes clínicos já estão previstos e, se aprovados, Sant'anna estima que a vacina esteja pronta para uso em 2020. Mas ele teme que o projeto sofra pressão da indústria farmacêutica internacional. 
“Vamos ter dificuldades porque as multinacionais vão querer embarreirar nosso projeto”, afirmou o conferencista. “Se eu tirar a seringa de uma vacina contra a hepatite B, por exemplo, em que três doses são aplicadas, vai haver uma perda de milhões de dólares para a indústria. Com nossa vacina, só será necessário um frasquinho com gotas.”

Tendência mundial

pesquisa por novas formas de aplicação de vacinas mais eficientes e sem dor tem crescido pelo mundo. A vacina do Butantan não é a única a propor uma solução para vencer a barreira do ácido estomacal. Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estudam nanotubos de carbono para alojar imunoterápicos e cientistas da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, testam o uso de bactérias inativadas para carregar vacinas até o intestino.
Sant’anna reconhece a importância dessas pesquisas, mas acredita que a sílica é a melhor saída e a mais simples. “Trata-se de um composto simples, disponível e que não briga com o nosso organismo”, observou. 
“Já o carbono é um componente do nosso organismo e muito provavelmente vai ser destruído no estômago; o uso de bactérias me parece arriscado, uma vez que a pessoa corre o risco de infecção, além de ser mais complexo de ser aprovado para humanos. Não há nada que eu faça no laboratório que a natureza já não tenha feito; meu trabalho é baseado na observação da natureza e ela nos mostra que o caminho mais simples é o melhor.”
Sofia MoutinhoCiência Hoje On-line
 

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